Wednesday, September 20, 2006

Entranha-se no meu ser, mais uma vez, uma irreprimível vontade de discar aquele número que a minha memória retém no telemóvel. Bem sei que voz vai atender e o que irá dizer; uma voz profunda vinda dos abismos, de tempos imortais, mas com todo o vigor da juventude. Pergunto-te se estás sozinho, ao que me respondes que estás na rua com imensa pressa. Sei que de nada irá adiantar insistir para entrares num café e ires ao WC. Para todos os efeitos estás com pressa.
“Vem ter comigo.” Proponho ousadamente. Sei que te farás de difícil mas ao dizer-te que te pago… a coisa ajeita-se e acabas por aceitar o meu convite de vires a minha casa.
A campainha toca. Um vizinho chateia-me com uma reunião de condomínio; agradeço-lhe a preocupação de me informar e digo-lhe estar bastante cheio de trabalho, o que queria dizer era que estava à espera de uma pessoa. Despacho-o. Depois de o meu coração ter tido um sobressalto é confrontado com a decepção. O tempo voa e ele sem aparecer. Tento ligar-lhe mas não me atende. Mais de uma hora espero impaciente até que as minhas forças se esgotam e resolvo procurar esquecê-lo.
Muito mais tarde o meu telemóvel toca. É ele. “Que se passou?” Dizes-me que bateste num carro, se não poderia ir buscar-te. Eu rejubilo sentindo anjos a toda a minha volta. Meio atarantado procuro as chaves do meu carro. Vou ter com ele…
Ele entra-me no carro como um furacão. Vem furioso, a tempestade levantara-se mas o barco ainda estava em mar alto. Cerca-me com conversas banais a que vou respondendo, procurando imolar algum animal aos deuses do mar. A investidura é violenta e inesperada, tropical. A sua mão flúi como um rápido para a braguilha das minhas calças afundando-se no abismo. Os seus dedos dispersam-se e tacteia-me como os tentáculos de um polvo. Cravas o teu espinho venenoso e envolves-me nas areias do fundo.
“Pára aqui um pouco.” Uma onda assalta-me num rompante e eu deixo-me ser conduzido pelas sereias. Os seus beijos lembram-me corais, algas e baleias, coisas majestosas em mares imemoriais. Os tentáculos prendem com as suas ventosas a minha pele; o krakon fustiga o casco do meu navio removendo a sua cobertura. Deixas-me nu. Olhas-me com um olhar teu que me deixa ainda mais despido, como que a perguntar-me “que queres de mim” ao que responderia “que esse caralho me foda!!!”
Apressadamente procuro nadar um pouco para a superfície, apanhar uma valente golada e voltar às profundezas como um apanhador de pérolas. Voltas a cercar-me com o teu exército marinho e eu deixo que me leves até ao palácio de Neptuno onde definitivamente me afogarei. Viro para que invistas contra mim; ofereço-te a minha cara e nela carregas a tua ira; sinto o vaivém ondulatório do mar no meu corpo. Deixo-me ser levado por caçadores até ao centro de um cardume de baleias. Afago-lhes o rosto que é rijo mas mostrando suavidade enquanto o seu esguicho cai sobre mim em terno delírio. Abandono o corpo a essa tempestade que ainda fustiga sobre mim. Deixo que deslize para o fundo ao sabor desse azul penetrante. Pequenas ondulações fazem carícias no caminho do meu corpo até ao fundo. Encimam-se ruínas de uma Atlântida perdida, rodeiam-me túmulos enquanto o meu corpo repousa em cima de um canhão abandonado. Fecho os olhos.
“Acorda!” Uma onda, fria como o gelo bate-me em cheio na cara. Desperto numa praia desconhecida com um rapaz ao meu lado. “Está na hora de ir.” Dou-te algum dinheiro e deixo-te onde me dizes. Volto ao mundo que sinto deformado, distante, feio. Parece que estive como um náufrago anos e anos e voltava agora para um mundo que julgava recordar das imagens que fizera outrora...

1 comment:

Anonymous said...

Valerá assim tanto a pena pagar? Gosto do blog. Gostaria de voltar.