Thursday, August 23, 2007


alicia-me um café
convida-me a entrar
saudando-me com simpatia
a música agreable
e o olor de se ser lusitano.

em conversas que adoraria durarem horas
apresso-me a uma inesperada partida
que fica sempre na boca
o gosto de voltar

a tripla aliança
de um beirão,
um tenor
e mil risos
esgotam as minhas esperanças de querer partir.

faz-se tudo em espelhos
envolvidos em pesadas cortinas
com aroma a torrões tostados
que numa chávena depositados
com agrado
com carinho
fazem sempre esse no nosso café lusitano
marco fundo neste meu coração insano.

beijo a crista da minha alma
vermelha do asti ou vermute
longas quimeras como que droga inebriante nos meus olhos
Rosé!!!
não sei ser mais que um porto seco
vinagrado em lilazes corolas de beirão
coquettes de encharpes e William Lwasons'
tudo olha impávido esta luz de meia-noite
feita breu ao sabor das velas escorrendo visceralmente cera
alcoólico
ah esses copos de champagne!!!
a alegria bacante das trufas de chocolate
com um pouco de vocka por favor
assimilado astro
brandimel adocicado
nas escadas
nos sofás
bebem como se quisessem embebedar
e eu feito Morfeu velo-lhes os sonhos.

um cropier distribui cartas
mais um pouco de vermute
um cocktail para a mesa cinco
a minha margarita feita num oito com a tua tequilla
gemem borbulhas
e eu amo tudo isso
amo o distribuir dos copos
adoro os que são levantados da mesa
e logo são substituídos
amo tudo isto e muito mais
e sinto-o tão distante... tão distante de mim.

Ocaso (21 de Setembro de 2006)

procuro um olhar nesta funesta cidade
oitenta cêntimos, um punhado de papéis
tons de magenta e cinza
perpetuam a minha febre de ver gente.

rostos incomodados ao sabor de um cigarro
um cão danado deitado no chão
café posto na mesa
olha...
o sol já se vai pondo
é uma cidade de rotinas
de horas passadas no compasso do relógio
é tarde...
ai, amor
este era o tempo
que te esperava na esplanada de outono

é lindo o pôr do sol
como a morte a chegar-nos
sim, amor
é a estrela da cidade.

zumbem moscas nos esgotos
há transito
monstros da nossa sociedade
e eu e tu
fazemos a nossa história neste ocaso
feito de cinza e magenta
que se derrama em felicidade
na nossa triste fatalidade.

Balada do Candeeiro via Mosquito (13 de Setembro de 2006)


zzzzzzzzzzt!!!!
mais um mosquito nas grelhas eléctricas ferventes
neste pôr do sol vermelho a sangrar nuvens de leite.
um mosquito a mais no grelhador infernal
uma espera debaixo de um candeeiro...
a lâmpada na escura noite soa como um fantasma
não tem mulher nem tem filhos,
não tem família presente
resta-lhe os bêbados nocturnos
que rastejam as suas carcaças
ou então os que metem na veia
- You mother fucker!!!
o candeeiro brilha como um diamante
brilho eterno da electricidade inteligente.
caca de cão estagnada afigura-se na calçada
que a pálida luz ilumina
o que parece um rosto de mulher aproxima-se levemente
é pálida como a neve
segura nas mãos um lobo.
fala e enamora-se do candeeiro solitário
num romance à distância
sempre que se faz noite escura.
valseiam uma dança
cómica dois bêbados que apareceram
acompanhados pelo suave aroma da primavera
nesta balada do candeeiro.

um mosquito eclode de um charco verde,
não mostra ser diferente dos outros
é apenas mais um mosquito.
diz-lhe a lua para que vá falar com o candeeiro, seu amor
- Fala com ele e diz-lhe que o amo.
e assim o mosquito voou e voou
não encontrando o dito candeeiro,
reparou antes numa criança caída a dormir numa cama.

ela dormia com castelos sonhando
com lutas e com espadas
e o mosquito ao sentir-lhe o doce aroma do sangue
lhe roubou umas gotitas
para que enchessem o seu estômado
e na madrugada que se seguiu
já do candeeiro não se lembrou
aninhou-se e esperou a noite cair.

hoje a lua chora
e no seu choro uma praga lançou
ao mosquito que de água nasceu
e lhe matou o calor.

Fantasmas (12 de Setembro de 2006)

as pálpebras abrem-se para recortar a visão do que vejo.
pessoas, coisas, carros, cidades...
miro fixamente o que de mim consegue ver
perdendo-me num instante nos fantasmas,
prestígio da nossa existência corpórea...

rio-me da estúpida sintaxe com que Platão me tenta impingir
interrogando-me qual de nós terá razão
sentamo-nos.
duas cadeiras prestam-se aos nossos serviços -
espero que fale.
nada do que me diz me interessa e amaldiçoo-o a ele e à sua caverna.
observo-o falar porque os meus ouvidos se fecharam
restando apenas na memória uma campainha de elevador
observo a sua boca mexer-se,
reparo que tem três dentes cariados.
súbita e inesperadamente levo com um banho de vinho do Porto sob a minha camisa branca
o empregado, envergonhadíssimo pede mil desculpas
irritado - ou dando ares disso - desnudo o meu tronco
peço que me mandem lavar a camisa
- apesar de tudo isto Platão não interrompeu o seu discurso um momento
sobre-me estômago para mudar de mesa;
o fantasma roga-me uma praga que acrescento ao meu livro negro.
tomo uma aspirina para me manter a depressão.
- Um café, por favor.
agora terei de esperar pelo menos uma hora pela minha camisa.
pobre dela, pensar que me custara os olhos da cara
vou aos toiletes e lavo a cara
os meus olhos não conseguem manter-se abertos e ainda tenho mais 45 minutos
banho o meu pescoço com uma onda de água fria
olho as minhas pálpebras notando o negro das olheiras
- Oh, tempo de ir!
pelos poros da minha pele irrompe tinta negra.
com as mãos procuro remover essa espécie de melaço
mas quanto mais removo, mais a tinta se compõe em desenhos negros
deixo-me ser revestido de tatuagens enquanto a cafeína toma efeito
as minhas unhas projectam-se para além da realidade
e o meu espírito projecta-se num outro eu
ele veste uma camisa branca lavada, engomada
os seus olhos estagnados de ódio e de vingança atiram-me para o canto da retrete
abre o fecho das calças e mija no chão
eu agonizo.
ergue-se ante mim com uma altivez de um Luís XIV
eu amargo a um canto como um mutilado Quasimodo
um ódio, uma raiva de ele não sair dali.
já no café vira uma mesa para o chão.

devoro o remorso de raiva de não ser ele
e no entanto é ele e eu ao mesmo tempo
ele já não está aqui
e eu sinto que fiquei doido no total
peço um copo de vermute
o meu corpo acumula suor na epiderme
os meus pêlos aconchegam-se de frio
sonho tomar um forte ácido para derreter a digestão
que me remoi as entranhas
reparo que Platão está ao lado de uma rapariga
nada lhe diz.
quem lhe fala é Napoleão
como anjo da guarda acompanha-a o sábio Platão.
esqueço o mundo que me detesta e peço mais vermute
vomito tudo o que tenho e chamo por Galileu.
peço-lhe que vá à N.A.S.A. e me construa um foguetão
diz-me não saber o que é.
berro por Elizabeth
a raínha, frígida como sempre, aparece mas nada me diz.
senta-se ao meu lado e jogamos uma bisca.
farto-me da coisa e chamo o Pitágoras
ele aparece com a minha camisa
- Finalmente vestido -
saio do café-

a intelectualidade dos escombros de certas cidades revolvem-me os olhos ja de si tão enevoados.

Sunday, August 19, 2007

registo o mundo que é meu com um pequeno bloco de notas que não tenho.

Thursday, August 09, 2007

tanto quanto me consigo lembrar esta cidade tem sido a morte em pessoa. todos os dias passo por cadáveres de pessoas que se arrastam numa azáfama descomunal para conseguirem o seu quinhão de existência. escondo-me entre as mil pessoas, não quero ver ninguém e ninguém me quer ver. a minha existência é tão enormemente triste que tudo poderia chorar. mas não chora, eu não deixo. sou o cúmulo do egoísmo a ponto de não deixar a ninguém as minhas dores e as minhas tristezas. as vidas que passei não voltam mais, os pequenos prazeres que tinha foram todos consumados pela vaca grande no deserto, o meu ouro apodreceu...
nunca soube bem o que era viver. e cada dia que passa sei ainda menos o que é isso; porém, agora, tenho a noção de que não sei viver... que mais resta? que mais se pode ter se queremos dizer a nós mesmos que existimos pura e simplesmente por existir. dá-nos um ar de vazio, um ar de que somos ainda mais pequenos que somos na realidade; ainda assim temos de continuar a arrastar-nos e levantar os nossos lamentos ao céu esperando que de lá chegue alguma resposta.

hoje, tenho a ligeira sensação de que terá sido hoje mesmo, o mundo não mundo não mudou radicalmente, as pessoas que era suposto morrerem morreram, os outros continuam vivos, talvez tenha havido um massacrem em alguma localidade do planeta ou simplesmente isso tenha acontecido na minha cabeça. hoje mesmo o mundo permaneceu igual ao que era, eu permaneci sensivelmente o mesmo.

Wednesday, August 08, 2007

essa rosa orvalhada




essa rosa orvalhada
que frio nada teme,
é brancura alva pintada
com o meu brando choro.

choro e ela me toca
levemente, como que não foi
mais que um suspiro
e ainda assim aconchegante.


minha rosa orvalhada
porque andas assim
tão morta quanto eu
deitando águas por mim.

espero-te


espero-te aqui
no fundo
neste quarto frio.

desejo
os meus lábios
secarem
de tanto beijarem
o teu corpo

sim,
eu espero por essa manhã.

espero o sabor quente
do teu calor,
de ti.

sim, espero
sem pressas
esse momento único
de me dizeres ternamente
ao ouvido:
é agora.

permaneço
neste quarto frio
reflexo
do inverno
em que vivo.

espero-te
espero-te e espero-me
aqui, tão perto
e mesmo assim
somos longe.

Tuesday, August 07, 2007

o ar que respiro não é mais que um conjunto de palavras a sufocar-me. mesmo quando não tenho nada para escrever, quando não percebo o que digo, apenas sei que tenho de o dizer. as folhas com que escrevo tornaram-se fantasmas que me perseguem para que continue a escrever. por vezes escrevo coisas bonitas. por vezes não sei se são bonitas, alguém que as aprecie. escrevo quase,por vezes, quase como se fosse forçado, por um invisível mestre a continuar a escrever. escrever, escrever, escrever, ler, escrever, parece que as letras me perseguem. com elas se pode fazer uma coisa interessante, com elas se podem construir mundos bem bonitos, com elas se pode defender uma pessoa, ajudar outra. mas são a minha maldição.
sinto-me como se fosse um herói de uma história de banda desenhada que perdeu a capacidade de agir no bem por fazer bem à humanidade, penso que sou forçado a isso, forçado a arranjar mais umas letras e a alinha-las e deslizar a minha mão por elas. todas elas são uma realidade que acabo de inventar, nada do que digo é real e ainda assim sinto-o real.

leite coalhado


ouve-me esta última vez
sente o que te digo
que só de te querer
vejo o meu corpo se perder

quantas vezes pensei ver
teu rosto nas rosas
quantas mais sonhei
ver o amor que te deixei

embora durmas onde sonhei
ouves sem querer
num sonho cerrado
palavras que hei imaginado

fugi para o mar coalhado
charco que fizeste
na tua investidura
prazeres, carne feroz, dura

o tempo não mais passa, dura
seca as lágrimas
e fica a dor sozinha
âmago em mim flor cega minha