Monday, September 14, 2009

Salomé de Carlos Saura


Não sou pessoa de criticar muito um filme. Faço comentários consoante me agradem ou me desagradem.
Um dos últimos filmes que vi e que me prendeu foi Salomé de Carlos Saura, o mesmo que realizou Fado e Tango. Em termos técnicos o filme começa com 28 minutos em jeito de documentário onde o realizador faz uma apresentação do espectáculo apresentando os actores principais assim como dá pequenos apontamentos referente à escolha de figurinos, criação da coreografia, elementos cénicos, preparação dos actores,...
Do casting fazem parte Aída Gómez como Salomé, Pere Arquillué como director, Paco Mora como Herodes, Javier Toca como João Baptista e Carmen Villena como Herodias.
Duração 85 minutos, em inglês e espanhol.
Depois desta primeira parte começa o espectáculo propriamente dito onde nos aparece Herodes acompanhado de Heródias e que numa cena cortesã assedia Salomé. Esta ouve João Baptista a falar e deseja vê-lo. Assim que lhe é trazido ela apaixona-se por ele. João apesar de se sentir bastante tentado vai recusando as propostas de Salomé e por fim afasta-se. Salomé, qual filha mimada, não aceita esta recusa e por causa de uma paixão tão grande faz uma dança a Herodes a troco da cabeça de João numa bandeja de prata.

A nível coreográfico é interessante notar as influências do flamengo, de danças orientais, dança contemporânea assim como da dança dos derviches. De notar também o aproveitamento da luz para criar um cenário bastante simplista mas que provoca impacto. Para além de tudo isto importa referir que ao longo de todo o espectáculo aparece-nos uma linguagem que não é falada e se notam as várias falas de cada uma das personagens. Para quem tenha lido a peça Salomé de Oscar Wilde será uma surpresa ver que neste espectáculo varias imagens que ilustram a edição original da peça foram reproduzidas em palco com uma certa mestria. Dou a toda a equipa os meus parabéns.

नस्सिमेंतो इन्फमे


Certo de que naquela noite nada mais se veriam que vultos a circularem pela penumbra da noite, três mulheres saem de casa. Não as acompanham os maridos que havia muito que tinham ido para a taberna beber. Aquelas mulheres caminhavam como se fossem cometer algum crime. Os seus passos eram silenciosos e várias vezes paravam a escutar o ar em busca de algo que as pudesse denunciar.
Encaminhavam-se para o rochedo da praia. Haviam quatro dias que receberam a comunicação de que esta mesma noite seria a ideal para o evento que queriam levar avante. Pelo areal uma delas espalha cinco velas toscas feitas com as suas mãos. Outra pega num pau e desenha no chão algo que haviam antes estabelecido para o ritual que fariam. A outra tira as suas roupas e vai-se lavar no mar.
A que colocara e acendera as velas nos sítios certos chamava-se Ana. Era ela quem estava já a proferir as palavras rituais. A que desenhara os símbolos no chão e que conhecia essa estranha linguagem tinha o nome de Sara e a outra mulher era chamada Inês. As três haviam acordado que naquela noite fariam um ritual de fertilidade para com uma delas – seria a Inês. Há muito que ela queria ser mãe mas apesar das várias tentativas nunca conseguira. Aquela força feminina gritou em uníssono uma invocação de um espírito masculino. Pediram que viesse ter com elas. Pediram que tomasse um corpo material de homem para o ritual que pretendiam continuar.
Naquela mesma praia apareceu então um homem cujos seus olhos eram de um branco imaculado. O seu corpo era pálido como o marfim e os seus cabelos loiros como o mel das abelhas. Ele caminhava com um passo, mal tocando o chão e aproximou-se das três mulheres.
- Chamaram-me?
Uma delas falou pelas outras dizendo que o tinham chamado para que ele engravidasse Inês. O homem tirou as suas roupas e pediu que cada uma delas continuassem as palavras que haviam dito antes da invocação.
- Aceitarei com uma condição. Quando o vosso filho nascer não será tocado por nenhum objecto sagrado dos cristãos. Não o baptizarão nem farão dele filho de Deus. Ele não será um deles, será um filho meu. Quando ele crescer com ele começarei um reino neste mesmo lugar numa noite como esta e as vossas vidas esgotar-se-ão nesse mesmo dia. Com o vosso sangue, este meu filho levantará uma foice e com ela se sentará no trono.
Estendeu as mão para que elas lhe tocassem em sinal de consentimento. Ana e Sara pegaram uma na mão esquerda e a outra na mão direita. A outra mulher deitou-se despida aguardando que o companheiro se aproximasse e a possuísse.
O vento fazia sentir-se naquela praia agora ocupada apenas por três mulheres e o corpo de um homem morto com sangue a correr-lhe dos olhos e das narinas. As três ainda dormiam. Uma onda avançou um pouco mais que as anteriores e tocou levemente numa delas fazendo-a acordar do seu transe. A noite ainda estava muito escura. Ela acordou as outra mulheres e todas elas voltaram para suas casas.
O dia seguinte amanheceu com a notícia de um homem achado numa praia por causa de um ritual satânico. Muito se falou sobre quem teriam sido as pessoas que tinham morto aquela pessoa que não era daqueles lados e muito se falou do que ela faria naquela praia naquela mesma noite. A polícia foi chamada e andou-se a perguntar e perguntar muitas coisas. Nada foi descoberto.
Os dias foram-se passando e a dado momento Inês é vista como aparecendo grávida. Felicitam o marido por após tantas tentativas terem finalmente conseguido o que queriam. Ana e Sara mantinham o segredo entre elas. Depois de o jovem ter nascido o marido de Inês quis que ela fosse baptizada mas ela opôs-se. Fez de tudo. Como não conseguira, e vendo o juramento que fizeram àquele demónio ela saiu de casa e exilou-se numa cidade não demasiado distante. Encontrava-se com as suas amigas na praia onde fizeram o ritual nas noites de Lua Nova onde renovavam os votos com o espírito que as assistira. O filho finalmente nasceu naquela mesma praia. Apesar da alegria tamanha que todas elas sentiram, sabiam bem que as vidas delas começariam a minguar, como a lua depois de cheia. Em breve se veriam com um andar mais pesado, como se a velhice as atacasse mais cedo. Nos seus olhos não brilhava a chama da juventude. As três sabiam que em breve uma nova era começaria naquele país e esses tempos teriam começado por elas. Se eram para bem ou para mal não sabiam, mas julgavam que para mal.
Maurício era um jovem com caracóis loiros nos cabelos, tal como o seu pai, olhos de azul marinho. Tinha agora cinco anos e ao passear na praia deparou-se com um estranho velho que estava junto de um rochedo. O velho olhava o horizonte com grande determinação. O jovem quis saber porque olhava ele o mar.
- Olho o mar porque ele me dirá o que te devo ensinar.
Desse dia em diante ele começou a ensinar o jovem todo o tipo de artes e conhecimentos. Além disso promoveu-lhe uma dura disciplina com o fim de tornar aquele jovem atlético, determinado e corajoso. O olhar da mãe de Maurício era agravado por uma mágoa que queria ela agora ver-se livre. Sabia que dentro de poucos anos os seus dias terminariam e o seu filho seria legado ao demónio.
A noite de Lua Nova surgiu em todo o seu esplendor e breu. Do mar uma voz chamava as três mulheres, haviam vários dias levados a chorar. As três obedientes foram até à praia onde encontraram o filho de Inês deitado no chão como se estivesse morto. A mãe começou a chorar rogando pragas ao demónio que as tinha socorrido, ele não cumprira a promessa. Um vento levanta-se do chão e percorre as pernas das mulheres tremendo de medo e largando-se à ventura de gritar os demónios. Dos céus aparece uma ave enorme com garras afiadas que rasga as roupas das três mulheres e aparecem vários homens com os olhos brancos e os corpos meio desfeitos. Eram os restos de cadáveres de homens que morreram no mar. os seus cadáveres insuflados de um pouco de vida pelos demónios cujas suas forças os animavam. Os homens prenderam as três mulheres e cavaram três buracos bem fundos no chão onde as colocaram deixando as cabeças de fora. Elas iriam ver tudo o que iria acontecer. Os homens voltaram para o mar largando um som profundo semelhante ao das baleias, como uma melodia estranha. As feridas que tinham no corpo não saravam e parecia que a areia ficava vermelha do seu sangue. Elas gritavam. O vento não tinha parado de soprar e junto do cadáver de Maurício estava um homem encapuçado. Notavam-se as mãos pálidas e magras.
- O vosso filho morreu para ser eterno. Os vossos corpos lhe darão alimento.
Nesse instante ele chamou por Maurício e ele levantou-se como se nunca houvesse morrido. Nos seus olhos brilhava uma fúria tal que o fez largar um grito que se confundia com o barulho do vento na praia. O outro homem entretanto desaparecera.
Assim que Maurício despertou do seu sono a primeira coisa que teve foi fome, uma fome descomunal. Aquelas três mulheres enterradas na praia seriam um petisco mais que ideal. Apesar de elas gritarem, bem sabiam que aquele era o seu destino. Haviam criado um monstro.
Os dentes de Maurício cravaram-se na pele da sua própria mãe. Ela tremia e pedia para que o filho se lembrasse dela. O seu desespero era tal que assim que morreu a sua cara manteve a sua expressão de apavorada. As outras duas mulheres foram a seguir. Quando terminou o jovem correu muitos quilómetros até cair cansado e sem forças.