Tuesday, September 19, 2006

01-Set-06

A insónia assombra esta minha noite. Olho em redor e procuro nas sombras algo que me repouse. Nada. Acendo a luz. Levanto-me. Com pouca roupa vou à casa de banho e dispo-me completamente. Olho-me ao espelho. Não tenho qualquer emoção. Atiro com três rosas vermelhas para o lixo; alguém, me amava. Olho a minha cara no espelho. Amanhã sei que terei umas terríveis olheiras da minha incapacidade de repousar. Volto ao meu quarto e deito-me. Nu. Sinto sobre a pele aquela estranha sensação de nos sentirmos sem roupa, de estarmos desprotegidos mesmo no verão. Volto a levantar-me e vou até à casa de banho buscar a roupa interior que lá deixei. Desta vez não me sinto inexpressivo; o meu sexo estremece como que a buscar a minha mão para o acariciar. Pelo na minha roupa e num ápice meto-me no quarto. Apesar de a minha casa estar vazia sinto que alguém vai aparecer e apanhar-me assim, nu. Deito-me de novo na cama e respiro calmamente. O meu corpo pede um pouco de prazer ao que eu tento reprimir.
No alto de uma coluna Apolo chora. Tem nas mãos uma lira quebrada que a atira ao chão. Desce do pedestal e aponta-me o deserto num eterno crepúsculo. Ao longe uma nuvem aproxima-se. Dois cavalos. Ambos machos vigorosos castanhos de cor. Ambos subimos para a sua garupa e cavalgamos uma imensidade. A meia-luz mantém-se ao chegarmos junto a um rochedo. Ao aproximar apercebo-me que passara o caminho todo a chorar. Pousa a sua mão em cima da minha perna ao que reajo de imediato. A beleza abandonou o mundo e ele recusa-se a morrer. O seu carro não brilha mais no céu, mantendo-se essa luz difusa.
Desmonto do cavalo e ajudo-o a descer. A minha mão pousa na sua nádega e os meus olhos no seu sexo entesado. Os dois unimo-nos como se nada mais houvesse que a esperança de sermos os últimos.
Dois templos erguem-se majestosamente a uma pequena distância um do outro. São rivais. No interior de um alteiam-se ogivas com esplendorosos vitrais; grossas colunas suportam o pesado tecto bem alto. No outro templo linhas direitas, clássicas unem-se em harmonia com o eclodir da cultura; colunatas branqueiam a vista com as sedas orientais. No meio deles uma multidão bem grande. Parecem formigas, deslocando-se como um viscoso fluído entre mim e o Apolo. Os nossos olhos cruzam-se; o seu choro procura apaziguar a minha ira. As pessoas da multidão carregam machados e forquilhas, cadáveres em chamas, tudo armas que contra nós arremetem. Os nossos altares ardem, os vitrais estilhaçam-se, os véus rasgam-se em farrapos, os telhados vêem abaixo e toda a nossa majestade é motivo de chacota. Apolo tenta vir-me socorrer enquanto as pilhas de gente se aglomeram a destruir tudo à sua volta que lhes lembre de nós.
Uma cama de casal no meio de uma fábrica abandonada. Ele espera-me em cima dos lençóis de cetim. Os cavalos ao longe mastigam areia à sombra do rochedo que se assemelha a uma esponja. Ele chama-me e sigo a voz. Agarra-me nos pulsos atirando-os para cima da cama. O meu corpo imobiliza-se, deixa-se ficar aos seus caprichos. Ele lambe o meu sexo sem qualquer avidez. Reparo no céu que agora está negro. Do exterior da fábrica sinto o calor de chamas; uma urgência, estamos em perigo.
As portas são abertas por homens que não são ainda homens mas que o seu olhar, nessa face de criança lembra que muito cedo foram obrigados a crescer. Olham-nos estarrecidos. Meios cheios de raiva, meio desilusão avançam para nós.
A urgência provoca-me; a minha esporra esguicha para o meu peito ao mesmo tempo que Apolo se vem para cima de mim.
As crianças fecham agora os olhos. Já não são crianças mas antes velhos que apodrecem na fábrica abandonada. Deixam cair as suas foices e bengalas. No tecto abre-se uma janela de onde vem uma mão que me leva. Os velhos voltam ao trabalho que faziam nessa fábrica enquanto outros mais jovens aparecem para lhes dar ordens e espetar bastões nos cus em caso de desordem. Deixo de sentir o belo…
Acordo abalado. A imagem de Apolo ainda me povoa o cérebro. Sinto que algo de belo se perdeu esta noite, algo de belo morreu…

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