Sunday, March 27, 2011

Jovem Torless o gaychoice de hoje


Hoje mesmo enquanto fazia uma viagem solitária entre Coimbra e Lisboa, estive a visualizar um filme baseado num livro que me arrepiou. A história centra-se na vida de um jovem num colégio interno e seu nome é Törless. "O Jovem Törless" (Die Verwirrungen des Zöglings Törless) é o romance de estreia de Robert Musil (6 de Novembro de 1880, Klagenfurt). Ao ler o livro senti o arrepio de estar a ver uma parte da minha vida e das minhas preocupações. Tal como acontece com o jovem protagonista, também eu sentia que as coisas que preocupavam a maioria das pessoas me passavam ao lado. O livro desde sempre me ficou como um livro que me aterroriza voltar a pegar por parecer ser uma história do meu íntimo numa fase da minha vida que buscava um outro género de coisas que os meus colegas não buscavam. Foi nessa altura que li também o livro.
O livro constitui um chamado livro de aprendizagem, livros de retratos autobiográficos onde exibem as influências no que se tornou para eles importante ou não. Este género inclui livros como "Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm Meister", a "Montanha Mágica" de Thomas Mann ou o "Retrato do Artista enquanto Jovem" de James Joyce. Estes percursos de aprendizagem e descoberta (ou exposição crua ao mistério) fazem caminho entre afectos, ódios, noções de beleza, religião, ocultismo, metafísica, filosofia e perpectivas políticas e éticas.
"O Jovem Törless" centra-se na natureza do que chamamos alma e na ambiguidade das motivações humanas. Claro que tem uma forte carga psicológica e política que reflecte de forma crua e incómoda comportamentos que permeiam a história da humanidade. Mas, estranhamente, toma uma posição de aparente indiferença perante o sadismo humano e quase o justifica como um meio, entre tantos, de atingir a lucidez.

Tudo se passa num afamado colégio interno para rapazes. Aqueles alunos são, à partida, a futura elite política e cultural dos seus países. Um destes, Basini, é apanhado a roubar outro colega. Dois alunos, Beineberg e Reiting decidem tomar à sua conta o infractor. O primeiro tem o cérebro povoado de filosofias orientais mal estruturadas por influência do seu pai, esses pensamentos (bem glosados em vários romances de formação, como nos de Herman Hesse) são decididamente insuficientes para Törless, que procura algo de mais claro e perceptível, nunca algo imaginário na vida. As concepções tomadas de empréstimo de Beineberg e Reiting resultam apenas em sevícias físicas e sexuais que terminam em experiências psicológicas sobre Basini, cuja alma se torna apenas num objecto manipulável para defender teorias.

Törless sente em relação a tudo uma confusão que não consegue resolver pelo caminho da reflexão lógica. Procura respostas em Kant (sem as compreender) ou no professor de Matemática, numa conversa sobre número imaginários (nem me lembrava do número i) vindos do nada e do ilógico, mas tão logicamente adaptáveis à realidade. Insatisfeito com essas respostas que faltam, Törless segue um caminho paralelo ao dos seus colegas Beineberg e Reiting que termina num lampejo de sabedoria indiferente. É discutível se Törless é, no fim de tudo, mais humano que Beineberg e Reiting ou mais digno que estes. Mas nenhum percurso é definitivo.

Mas a conclusão última de Törless sobre a Verdade é límpida:

"(...) há pensamentos mortos e pensamentos vivos. O raciocínio que se move na superfície iluminada, que a qualquer instante pode ser conferido pelo fio da causalidade, não é necessariamente o pensamento vivo. (...) Um pensamento - mesmo que tenha passado pela nossa mente há muito tempo - só viverá no instante em que alguma coisa, que já não é o pensar, que já não é lógica, se acrescenta a ele, de modo que sentimos a sua verdade para além de qualquer justificação, como uma âncora que dilacera a carne viva e ensanguentada... Uma grande compreensão só se realiza pela metade no círculo de luz na nossa mente; a outra metade realiza-se no solo escuro do mais íntimo de nós e é, antes de mais nada, um estado de alma em cuja ponta extrema, como uma flor, pousa o pensamento."

Num outro blog que o seu criador refere ter lido o livro, eu tive uma impressão da leitura bem maior que ele. Eu li este livro na minha adolescência e todas as preocupações do jovem ficaram bem inscritas em mim a ponto de ter algum receio de voltar a pegar no livro.
Fica o conselho.