Saturday, June 16, 2007

manhã de limpeza

enternecidamente olho a janela procurando a beleza de um instante nesta manhã tão submersa em remoinhos e raivas. socumbo a cada instante por uma pequena gota a mais desse teu perfume tão intenso como a noite da minha alma que te repousa em um sono profundo. os meus dedos tacteiam os límpidos poros da tua sede de sonhar. não sonhas - não sonhes, não quero que partas da minha presença para te encontrares com os teus semelhantes.
o teu peito robusto como um escudo oferece-me uma segurança que não consigo alcançar e as tuas pupilas não são manhãs ainda - era meu desejo fazê-las raiar. o teu sono faz-te perderes nas mangas da minha sedução e a dissoluta vontade de ser teu invade o meu espírito - meu deus como abomino as paredes entre nós, entre os teus modos e as minhas segurnaças irreais.

sem me aperceber como estou nu numa paragem de metro com vários fotógrafos a retratarem-me nas suas películas instantâneos da minha vida. e na boca sinto ainda o teu suor, os teu beijos feitos brancura da alvorada. danço freneticamente na minha tão negra dos nossos atrevimentos e das nossas diversões nocturnas, ainda me lembro de quando te arranquei de casa dos teus pais para vires comigo e no combóio chocámos toda uma carruagem só porque nos beijávamos intensamente e eu tentava tirar-te a camisa que trazias já colada ao corpo pelo suor de apanharmos transporte. na retrete vimos um preservativo redemoinhar pacientemente de algum passageiro que, à semelhança de nós desejava prazer... eu apenas te queria comigo, a meu lado a devorar todas as maçãs da árvore do conhecimento divino com o leite de mel dos deuses a irrigar a nossa guerrilha.
os estranhos que nos miravam como câmaras de filmar eram para nós paisagens em declínio nesse inverno de incertezas - oh quantas não tivemos nós... só de lembrar que não querias tocar-me e aprender-me em prazer.
às nove em ponto aparece a empregada. a limpeza dos quartos e das provas da nossa existência carnal são apagadas da memória dos estranhos e o brilho dos cristais faz-se ver novamente. a cidade, inaculada de pecado privado solta para a rua as suas curiosidades de manhãs a raiar um sol negro, sem sabor e nós limpamos a vida, as nossas preocupações nessa mesma cama, nessa paragem de metro ou no combóio pendular.

1 comment:

pjv said...

pois... nas nossas limpezas... que também faço nesta manhã... tropeçamos na memória de outros tempos... que passaram ou que se passarão.
um beijo