Sunday, July 24, 2011

Quadro com um anjo


Em sonhos em vejo um anjo. Um anjo a cair do cimo de um edifício. E reparo nos olhos fechados, aguaradam o fim. A queda é longa e a vejo lenta.
No meu sonho os seus cabelos são vermelhos. Estão ardentes de paixão. A paixão que recusei. O seu corpo veste-se de feridas ainda não saradas, veste-se de sangue e suor. Suas asas não mais funcionam. Como um gato diante de Alice elas vão desaparecendo. Ficam cada vez mais ténues. Por fim ficam invisíveis.
Todo ele se abandona à queda. Ele sabem que vai morrer, e quere-o. O vento acaricia-o, aconchega-o. As asas do vento beijam-lhe o rosto. A boca romã vermelha mantém-se inexpressiva, pura. Como aguardando um beijo. O meu beijo
O corpo se abandona na vertigem. Desce. Aceita a gravidade. Por cada instante foi empalidecendo. Ele afunda-se até ao abismo da morte. Como o corpo arrefece! Esse desprendimento é largado à maior das decepções. O corpo na queda vai abrandando o seu ritmo. Esquece de ter de dar alento.
Eu o vejo cair em meu sonho.
Ele cai pela força que o puxa. Cai com a tentação de Lucifer a descer ao lugar dos condenados.
O coração esquece. A alma abandona. O corpo arrefece. O sangue gela nas veias. Torna-se pedra. Esquece de correr.
Num curto instante. Tudo num instante.
Vejo-o cair.
O chão aproxima-se.
Qual copo de cristal, chega lento ao chão. Parte. Estilhaça. A dispersão do seu corpo leva-o ao Hades. Torna-o uma nebulosa de estrelas.
Um clarão.
Tudo se apaga. Ele se abandonou até ao último golo de vida pelo viver do seu amor. E eu, eu o recusei.
Eu o vi cair. Nada pude.

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